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Nelson Pereira dos Santos fecha seu díptico sobre vida e música de Tom Jobim
Filme 'A Luz do Tom' é sequência e complemento de 'A Música Segundo Tom Jobim'
26 de janeiro de 2013 | 7h 00
Roberto Muggiati, especial para o Estado
A câmara sobrevoa um litoral virgem: o azul-cinza do mar, o amarelo da areia, o verde-garrafa da mata cerrada. Desce mansinha como uma asa-delta - esta versão gigante e tripulada da pipa - e pousa quase sobre a cabeça da mulher solitária na praia, que ergue o olhar e saúda com a mão espalmada. É Helena Jobim, irmã de Tom, abrindo o primeiro dos três depoimentos que são a espinha dorsal do filme de Nelson Pereira dos Santos, A Luz do Tom, sequência e complemento de A Música Segundo Tom Jobim, um dos filmes mais premiados de 2012.
Clovis Ferreira/AE
Tom era louco por aves e citou várias delas em músicas
Helena lembra os primeiros tempos na vida dos irmãos, ela e Tom, quatro anos mais velho, entre Ipanema e a Lagoa Rodrigo de Freitas. O cenário do seu depoimento são as praias da Joaquina e Moçambique e a Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Segundo Nelson, “seria impossível encontrar no Rio de Janeiro de hoje algo que se assemelhasse à cidade onde Tom viveu os anos dourados.” A família morava numa casa da Rua Saddock de Sá, em Ipanema, entre a praia e a lagoa, que terminava no Morro do Cantagalo, então mata densa, onde Tom subia quase todo dia com o avô e imitava o canto dos nhambus. Emocionava-se quando, com seus pios, fazia macho e fêmea se aproximarem. Até o fim da vida, Tom guardaria cioso uma caixa com pios de aves do Brasil. Tom e Helena foram trazidos ao mundo pelo mesmo parteiro de Noel Rosa. Três apitos, de Noel, é a única música não composta por Tom no filme. Helena narra o encontro mágico de Tom com o piano, na garagem de sua casa, transformada em colégio pela mãe. O piano fora alugado para ritmar as aulas de ginástica. Tom voltava da praia ainda de calção e pousava as mãos sobre as teclas, ficava horas lá, seus dedos buscando combinações de notas e harmonias.
Ao encerrar sua fala, Helena levanta a mão direita e a câmara alça voo para outras paragens. No Sítio do Brejal, em Itaipava (RJ), foca Thereza Hermanny, passeando pelos belos jardins regados por córregos que se insinuam nas brechas da Mata Atlântica. A primeira mulher de Tom conta como aquele belo rapagão que conheceu na praia começou implicando com ela, “a pirralha.” O longo namoro, sete anos de idas e vindas, acabou em casamento em 1949. Ela com 19 anos, ele com 22, estudando arquitetura, mas tocando piano em bares para garantir o sustento. A vida à noite era dura e arriscada: certa vez, uma bala perdida passou a centímetros de Tom. Thereza revela meandros do processo criativo do marido.
Depois de três dias ao piano, no sítio, tentando compor Matita Perê, ele desaba exausto num sofá. Caindo de sono, pega o violão que está ao lado, começa a desfiar uns acordes e a cantar: “É pau, é pedra, é o fim do caminho.” Não mais que de repente, nasce Águas de Março. Paus e pedras rolavam então numa obra no sítio que estressava Tom, com operários e caminhões entrando e saindo. O terceiro voo de A luz do Tom vai baixar sobre o Jardim Botânico do Rio, (“a extensão do quintal de sua casa,” dizia Tom), sobrevoando as fileiras de palmeiras imperiais e pousando sobre Ana Lontra, a segunda mulher de Tom. Ana lembra o convite que Tom recebeu do maestro Peter Guth para apresentar-se ao piano com a Filarmônica de Viena. Não querendo encarar o desafio sozinho, Tom cercou-se de Danilo Caymmi, Tião Neto, Paulo Braga e Paulo Jobim. Há muito tempo vinha aliciando Ana Lontra para cantar. Acrescentou as vozes de sua filha Beth Jobim e de Simone Caymmi e estava formada a Banda Nova, que acompanharia Jobim nos últimos dez anos de vida. (Entrariam depois as vozes de Maucha Adnet, Paula Morelenbaum e o cello de Jacques Morelenbaum.)
Ana lembra que Tom lhe perguntou certa vez por que só fotografava urubu pousado, “um bicho sem graça, desajeitado.” Queria que ela flagrasse o urubu livre, cortando os céus. Urubus voando pontuam a todo tempo a narrativa de Nelson. O cineasta me confidenciou que, em suas colaborações com Tom, o maestro expressou a ideia de fazer um filme com a câmara colocada na cabeça de um urubu sobrevoando a nada inútil paisagem carioca. O voo e suas metáforas é constante no imaginário de Tom. Não por acaso, ele fez a trilha sonora da versão teatral de O pequeno príncipe, a fábula do poeta-aviador Saint-Exupéry. O próprio Tom é o piloto em O samba do avião. Em 1999, uma deputada fluminense propôs que esta canção tocasse nos aviões durante a aterrissagem nos aeroportos Santos Dumont e do Galeão, digo, Antônio Carlos Jobim. Pena que a lei não passou. Entre suas canções, tem Passarim, Andorinha, Sabiá e a homenagem ao Urubu no título do álbum de 1975 em que a ave aparece na capa voando soberana. Ana Lontra diz que Tom quis fazer ele mesmo em inglês a letra de Two Kites /Duas pipas, era um desafio poético. Além do sublime “tua beleza é um avião,” de Triste, nunca o êxtase do voo apareceu tão forte em sua música: “You are that force, that irresistible might/ That creates in me the power of flight/ We are two kites in the sky/ We can fly, we can fly, we can fly, we can fly…”
Depois de ver o retrato intimista de Tom traçado pelo filme de Nelson, não é difícil matar a charada: o urubu, no fundo, é o próprio Tom Jobim, que, por mais cordial que fosse, muitas vezes se sentia sem graça e desajeitado no convívio social, um outsider, mas se mostrava humano, muito humano, quando alçava voo com suas canções.
Esta reportagem pertence ao Estadão, veja lá também:Clique aqui ESTADÃO
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